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sábado, 4 de julho de 2015

Gottfried Benn - "Homem e mulher passam pelo pavilhão dos cancerosos"





Embora não seja propriamente um desconhecido (mas também muito longe da popularidade, pelo menos por paragens nacionais), lembrei-me de colocar aqui um dos textos mais extraordinários que conheço. Gottfried Benn (1886-1956) escreveu-o para uma das suas primeiras obras: "Morgue e outros poemas" de 1912.


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Homem e mulher passam pelo pavilhão dos cancerosos



O homem:
Nesta fila aqui estão ventres apodrecidos
e nesta está o peito apodrecido.
Lado a lado camas malcheirosas. As enfermeiras revezam-se a cada hora.

Vem, levanta sem medo esta coberta.
Vê, esse monte de gordura e sumos putrefatos
para um homem um dia já foi tudo,
também foi êxtase, lar.

Vem, olha esta cicatriz no peito.
Sentes o rosário de pontos moles?
Toca, sem medo. A carne é mole e não dói.

Esta aqui sangra como se de trinta corpos.
Ninguém tem tanto sangue.
Desta aqui ainda tiraram
um filho do ventre canceroso.

Deixa-se que durmam. Dia e noite. - Aos novos
diz-se: aqui o sono cura. - Só aos domingos
para as visitas podem estar mais despertos.

Já se come pouco. As costas
são feridas. Vês as moscas. Às vezes
a enfermeira lava. Como se lavam bancos.

Aqui o solo já incha em torno de cada leito.
Carne nivela-se à terra. Brasa vai-se embora.
Sumo começa a correr. Terra chama.





GOTTFRIED BENN (Tradução de Cláudia Cavalcanti)

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