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terça-feira, 11 de outubro de 2016

Eduardo Valente Da Fonseca -  «Os criptogâmicos» (1973)




Criptogamia, s. f. Qualidade das plantas que não dão flores



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Os aquários gigantes



A cidade ao domingo ficava petrificada. As pessoas vinham inundar os cafés de sono. Ficavam horas com os cotovelos a furar as mesas. Olhavam para o exterior com olhos grandes e parados, como peixes imóveis num aquário gigante. Odiavam, mas o ódio não se via. Viviam como se um grande castigo os impedisse de levantar o braço para apontar uma arma à cabeça ou levar um tubo de comprimidos à boca. Não sonhavam. Apodreciam sem rumor como os detritos que vivem nas zonas sombrias das grandes florestas. Obedeciam freneticamente ao bolor. Amavam a traça e o pó. Viviam fantasmagoricamente de obediência. Eram todos tão desgraçados que já nem sequer despertavam piedade.





EDUARDO VALENTE DA FONSECA, Os criptogâmicos
 
 
 
 
 
(Editora: Paisagem Editora)